Wednesday, October 26, 2005

Primavera de intercâmbios na Cidade Condal

Primavera de intercâmbios na Cidade Condal
A Cultura portuguesa mostra-se em Barcelona

Quem se desloque, nestes dias, à Capital da Catalunha, dificilmente poderá escapar à evidência: as artes portuguesas estão em destaque nesta cidade. Várias actividades demonstram o grau de adesão e interesse recíproco que existe entre as culturas de ambos os lados da fronteira, aqui com um especial abraço entre o Mediterrâneo e o Atlântico.

Estamos a 17 de Março. Faltam poucos dias para a Primavera. Batem as 19h30 nos relógios públicos e privados da segunda cidade mais populosa de Espanha. O Auditório da Fundação Caixa Catalunya, amagado na antiga garagem da gaudiana Casa Milà, em pleno Passeig de Gràcia, está repleto para a segunda actuação da fadista Kátia Guerreiro. Entram primeiro os guitarristas e o contrabaixo, que vão criando uma atmosfera sonora. Logo vem a cantora, de longa saia vermelha rendilhada, belo bordado, a esgrimir o canto máximo português. Ao largo de hora e meia, sempre em comunicação fluida com a assistência, repassa um repertório exaustivo, em que interpreta temas tradicionais e canções novas, que demonstram a vitalidade da nóvel geração, de que é uma das principais expoentes. Três destes novos fados têm letra de um dos eminentes escritores lusos da actualidade, que certamente colhe a preferência da fadista. Falamos de António Lobo Antunes, conhecido romancista, mas que também tem, como não, os seus poemas. Ora, nada mais nada menos, o mesmo escritor passa em pessoa pelo mesmo espaço, para outra concorrida apresentação, tão só transcorridas duas semanas, na qual também intervêm dois nomes importantes da presente cena literária catalã: Pere Gimferrer, membro da Real Academia Espanhola, e Anna Maria Moix, que o ano passado recebeu o Prémio da Aula de Poesia de Barcelona.
Tanta actividade cultural notória, ainda para mais em pleno coração da cidade, e logo num dos seus lugares de excelência – falamos da famosa La Pedrera, uma das obras mais sofisticadas de Antoni Gaudí – dá azo a algum desconcerto. Mas só para os mais desatentos, afinal. No primeiro andar do magnífico edifício, habitualmente reservado pela Fundação Caixa Catalunya para exposições, podemos apreciar agora uma mostra que reúne Cinco Pintores da Modernidade Portuguesa, em concreto, Almada Negreiros, Amadeo de Souza Cardoso, Maria Helena Vieira da Silva, Joaquim Rodrigo e Paula Rego. Com mais de cinquenta obras representativas, a colecção segue patente até ao dia 16 de Maio, encabeçando assim as actividades do «Festival Portugal: Artes e Letras», que principiou em Fevereiro e se estende por mais um mês.
O programa inclui uma conferência pelo Professor José Augusto França, um concerto com Maria João e Mário Laginha ou ainda um encontro com o realizador Manuel de Oliveira, antecedendo uma sessão de documentários seus rodados no Porto. Estamos, portanto, bem representados, com um naipe variado de actividades e autores. E, além dos mais, a maior parte dos eventos são de entrada livre, o que atrai obviamente um público suplementar.

Serralves na Outra Caixa
Gratuita também, porque é um signo da própria cultura, corre outra importante exposição em que intervêm vários nomes portugueses. Finaliza a 25 de Abril e acontece no Centro Caixa Fórum, pertencente à Fundação da Caixa d’Estalvis de Barcelona, ou seja, a entidade rival da Caixa Catalunya, que organiza o evento atrás referido. Parece assim que o nosso país se tornou um ponto de enlace decisivo na rivalidade – saudável, entenda-se – que protagonizam estas duas entidades, na manutenção do élan cultural da cidade barcelonina – onde, recorde-se, viveram e trabalharam pintores como Picasso, Miró e Dalì, arquitectos como Gaudí, Calatrava e Van der Rohe, e onde ainda hoje pontificam artistas tão diferentes como Monserrat Caballé, Jordi Savall, Manu Chao ou La Fura dels Baus.
Assim, tendo a Caixa Catalunya investido na divulgação da Pintura Moderna portuguesa, a Caixa de Barcelona apostou na Arte Contemporânea, criando esta mostra que é um diálogo, com tudo o que o cruzamento de olhares implica e aporta: as similitudes e as diferenças. Intitula-se pois «Arte Português e Espanhol dos Anos 90 – Encontro entre duas Colecções». O lado lusitano é representado, e dignamente, pela Fundação de Serralves e «nuestros hermanos» por peças da colecção da própria Caixa de Barcelona.
Nesta relevante mostra participam assim os nomes emergentes do panorama das artes plásticas de ambos os lados da fronteira, como os catalães Martí Anson e Antoni Abad, os bascos Txomin Badiola e Pello Irazu, a valenciana Elena del Rivero, o sevilhano Pedro Mora, os lisboetas João Tabarra, Francisco Tropa e Rui Toscano, a portuense Filipa César e a luso-descendente Joana Vasconcelos, nascida em Paris. Todos concorrem na apresentação de trabalhos de fotografia, escultura, instalação e multimédia, entre outros formatos, sendo temática dominante um olhar analítico, crítico e até irónico sobre as sociedades dos respectivos países.Uma vez terminada em Barcelona a sua carreira, onde certamente contará com muitos visitantes, esta mesma exposição irá transcorrer mais de mil kilómetros e oferecer-se ao público no Museu de Arte Contemporânea de Serralves, fechando assim o que antes descrevíamos como o frutuoso abraço entre o Mediterrâneo e o Atlântico.

As Pontes para o futuro – o Fórum
Curiosamente, o intercâmbio entre Barcelona e o Porto ganha forma num outro encontro, de menor peso, mas indicador que não são apenas as grandes instituições que levam a cargo este compromisso, mas que ele já corre no sangue dos mais novos. De facto, no Casal de Associações Juvenis de Barcelona, espaço polifacético e pós-modernizado, poderemos encontrar, a partir deste mês, «Mirades Creuades», uma recolha fotográfica de jovens das duas cidades, chamadas Condal e Invicta pelos sucessos das suas histórias. Consiste de «um intercâmbio que visa aprofundar reflexões sobre a imagem da cidade, os seus colectivos e as suas problemáticas», expressam os organizadores, a Alternativa Jove per a la Interculturalitat, pelo lado barcelonense, e a Associação Sentidos Grátis, pelo portuense.
De resto, e já que falamos de interculturalidades e mestiçagens, Barcelona vai conhecer a partir já de 9 de Maio um verdadeiro mega-evento, que serve não só para reabilitar uma parte olvidada da cidade, a foz do Rio Besòs, na parte leste que confina com Badalona, como também para dotar esta importante metrópole mediterrânica - há muito habituada a grandes realizações mundiais (duas exposições universais e uma edição dos jogos olímpicos que passou à história como a melhor de sempre) - , de um complexo de congressos que estará entre os maiores e melhores equipados do mundo. Trata-se do Fórum das Culturas 2004, uma organização conjunta da UNESCO, Estado Espanhol, Generalitat de Catalunya e Ajuntament de Barcelona, que enfoca como temáticas panorâmicas a diversidade cultural, a aproximação entre os povos e o desenvolvimento sustentável.
Já sabemos que estas propostas ficam para a posteridade sobretudo como simbólicas e que pouco empenho repercutem da parte dos poderes políticos e económicos. Por isso, há a reter especialmente a dimensão cultural e artística do certame, que, neste aspecto sim, será, por assim dizer, ‘espectacular’: em cinco meses, estão previstas mais de 450 actuações, entre as quais de nomes sonantes como Bob Dylan, Sting, Alejandro Sanz, Lenny Kravitz, Dido, Gilberto Gil e um festival organizado pela MTV.
Para visitar Barcelona, ao fim e ao cabo, não é senão mais um pretexto.
09 abril 2004


Links: www.barcelona2004.org
http://obrasocial.caixacatalunya.es/
www.caixaforum.org
www.casalbcn.info

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