Sunday, March 25, 2007

Um Novembro como tantos

Festivais Independentes de Cinema e Música em Barcelona

Um Novembro como tantos

Como vem sendo habitual, as edições de 2006 do Wintercase e de L’Alternativa (respectivamente festival independente de música e cinema de Barcelona) decorreram sensivelmente na mesma altura. Mas os cenários não são os mais felizes: a estabilidade dos modelos e a repetição dos parâmetros parecem quer dizer que o lugar da vanguarda já não é aqui.

O ano de 2006 marca em Barcelona a entrada em vigor de uma lei municipal intitulada ‘Ordenança Cívica’, que muitos preferem caracterizar como ‘cínica’. A obsessão pela limpeza, a ordem e a segurança urbanas parece na verdade não ser mais que um pretexto para aumentar o policiamento e sobretudo a caça à multa. Numa cidade em que a população está a envelhecer (e portanto o voto da terceira idade é o que mais conta...), este ataque de grande escala à cultura urbana está a fazer com que, de repente, todos os jovens sejam imediatamente suspeitos – os grafitters, os skaters, os artistas de rua, são agora os alvos principais da autoridade armada, que se desinteressou de perseguir os carteiristas e os criminosos de colarinho. É mais fácil sacar (da carteira) ao cidadão pacato e desprevenido.

Esta situação, complacentemente favorecida pela ausência de reacções (pelo menos com visibilidade) por parte da chamada sociedade civil, pode também estar a reflectir-se no tecido artístico-cultural da metrópole mediterrânea, até aqui conhecida pela sua pujança e vivacidade, como atestavam eventos de invejáveis dimensão e renome internacionais, quais o Sonar, o Grec, o Primavera Sound, ou porque não, o Festival Erótico (que este ano, e pela primeira vez, sofreu seriamente com os protestos moralistas duma comunidade que antes aceitava bem o evento).

Que faz a cultura dita ‘alternativa’ perante estes factos? Ao que parece, perde o seu carácter inovador, a sua força criativa, rende-se à repetição e à perpetuação dos seus próprios modelos. Pelo menos é a leitura que nos parece mais correcta derivada da assistência de vários anos, e continuada em Novembro último, de dois eventos também representativos da ‘movida’ barcelonense: o Wintercase, Festival de Música Independente, e o L’Alternativa, Festival de Cinema Independente.

Cinema com moderação

Na sua 13ª edição, acontecida entre 10 e 18 de Novembro, o L’Alternativa continua a ser um espaço agradável de contacto cinéfilo, sobretudo pela ‘Pantalla Libre’, as sessões gratuitas realizadas no Hall do Centro de Cultura Contemporânea de Barcelona (CCCB), que continua a ser a sede do festival. Quem é que não gosta de ver filmes à borla, bebendo um bom Rioja na companhia de amigos sentados em puffs coloridos? A questão é que não se nota evolução alguma entre as últimas quatro edições do certame, parece que não há risco, capacidade ou desejo de iniciativa e novidade. Os formatos são francamente idênticos, o ambiente é reiterativo, o grafismo do programa, no seu essencial, não tem mudado, e até o elenco das bebidas e comidas disponíveis no bar é sempre o mesmo.

O festival prima assim por um certo low profile, com as sessões competitivas (de entrada paga) cada vez com menos gente, ficando como um feudo para acreditados e convidados. E não obstante, a qualidade é geralmente alta, sobretudo no que toca às curtas-metragens de ficção e de animação. A existência dos programas grátis acaba por fazer refém a este público maioritariamente jovem, obrigado a contar milimetricamente os tostões da carteira, numa cidade onde a especulação imobiliária não cessa de dia para dia.

O Inverno que aperta

Algo similar se passou com a quinta edição do Wintercase, o festival itinerante que além de Barcelona incorpora Madrid, Bilbau e Valência. Apesar de existir há mais anos que o Summercase, o irmão mais velho do par aparece claramente como o ‘parente pobre’ dos eventos organizados pela Sinnamon, a empresa gestora do Razzmatazz, onde o Wintercase tem o seu poiso.

Este festival decorreu entre 1 e 28 de Novembro, contando com cinco datas com várias bandas, quase todas do mundo anglo-saxónico, excepção para os espanhóis Surfin’ Bichos, uma banda de culto no país vizinho. Destaque também para os escoceses Arab Strap, uma actuação sentida, a última, já que anunciaram o fim da banda, a abrir para os americanos Violent Femmes, dinossauros do rock acústico, que continuam a fazer render o peixe do álbum homónimo, publicado há quase 25 anos, seguramente um dos de maior retorno da história do pop-rock mundial.

O concerto mais conseguido foi no entanto dos Maxïmo Park, cheio de garra e entusiasmo. A banda apresentou alguns temas novos mas foi com as canções mais sonantes do brilhante «A Certain Trigger» que arrancou lautas devoções e ovações do público. A título de curiosidade, porém, refira-se que a nota mais saliente, usando aqui literalmente o termo, foi que o vocalista subiu ao palco com umas calças brancas bastante justas, apercebendo-se nitidamente um grande vulto na zona genital. Paul Smith poderia pois ter uma sólida carreira na pornografia, se um dia a banda der para o torto.

O concerto dos Maxïmo Park foi o único a ter lotação esgotada, pelo que se estranhou a sua realização na sala 2. De resto, e outro sintoma do desinvestimento do Wintercase, foi que praticamente todos os concertos foram remetidos para a segunda sala (o complexo do Razzmatazz conta com cinco, em total), quando em anos anteriores havia bandas suficientemente apelativas para encher a sala principal em todas as datas.

Este ano, então, apenas uma dos espectáculos se realizou na sala maior, e que teve como nomes principais os suecos Peter, John & Bjorn, que apostam por uma estética boémia e hedonista de desleixo semi amadoresco, e, a fechar o evento, os britânicos The Magic Numbers, a banda de gordinhos mais sexy do mundo, que cumpriram com boa prestação.

E pronto, assim vão as independências, em cenário de recessão, enregeladas pelo Inverno que começa a chegar.

Alexandre Nunes de Oliveira

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